A monogamia, tão difundida nos
nossos costumes ocidentais, tem uma abrangência muito maior que nos
dicionários. Segundo o Aurélio, por exemplo, a monogamia é “Regra, costume ou
prática socialmente regulamentada segundo a qual uma pessoa (homem ou mulher) não
pode ter mais de um cônjuge.” Mas será que basta ser casado com uma única
pessoa para ser monogâmico?
A monogamia vai muito além de apenas
ser casado com uma pessoa só. Envolve a fidelidade para com esse indivíduo, ou
seja, esse sujeito fica restrito a praticar atos sexuais apenas com a pessoa em
que designou para ser o seu parceiro. Essa ideia parece um tanto atrasada nesse
mundo livre de hoje, no entanto, há inúmeros casais que vivem sob esse regime
voluntariamente.
Essa ideia um tanto retrograda para
o senso comum, poderíamos dizer, de ser monogâmico de corpo e alma, proporciona
à pessoa que a pratica uma ausência de conflitos internos. Isso porque não se
fica vagando no mundo das mil escolhas.
Vivemos num mundo povoado de
possibilidades. Nas redes sociais, nas ruas, nas baladas, nos bares, todos os
lugares estão sendo oferecidos centenas de corpos sarados, um mais atraente que
o outro. Na televisão passam as modelos chacoalhando os quadris e os homens não
têm barriga.
Desse modo, muitos ficam perdidos
nessa infinidade de opções e, muitas vezes, acabam por não escolher por coisa
nenhuma e ficam migrando de relacionamento a relacionamento. Outros assumem um
único relacionamento oficial, mas ainda assim saltam de relação a relação. De
certa forma, esse tipo de atitude causa um tipo de ansiedade muito comum no
nosso tempo, como se qualquer escolha que você fizesse fosse uma perda de
tempo, um sentimento de que sempre aparecerá coisa melhor.
Fazer escolhas, tomar decisões
passou a ser mais doloroso. No entanto, decidir faz parte da vida, um sinal de
maturidade. E ser maduro não é só pensar em si mesmo, se deixar levar pelos
impulsos e necessidades mais instintivas, mas se considerar, planejar o futuro,
se respeitar e preservar. E isso leva a ter consideração pelo outro, respeitar
e fazer sentir o amor. Ser maduro é ter controle de seus instintos e dar vasão
a sentimentos e atitudes mais nobres.
Decidir ficar com uma pessoa, ser
fiel pode ser uma escolha penosa no nosso universo repleto de luxúria e beleza.
Onde se evidencia a soltura dos impulsos mais baixos. Quando se pode ter quase
tudo pagando, até mesmo um amor fingido. Só que chega uma hora que
envelhecemos, amadurecemos e ansiamos por algo concreto. As coisas voláteis
perdem o sentido.
Na bíblia, no livro de Eclesiastes, se
diz mais ou menos assim: quando eu era menino fazia coisas de menino, agora sou
adulto e anseio por coisas de adulto. Desse modo, a monogamia é uma evolução
dos relacionamentos. É ela que proporciona calmaria, verdade, confiança,
enquanto que o relacionamento infiel gera justamente os sentimentos opostos
como ansiedade, desconfiança e um culto à mentira.
Um religioso foi altamente criticado
porque acredita que a infidelidade consentida é legítima. Isso deixou uma brecha
para pensar se um relacionamento desse porte seria realmente justo. Será que um
casamento feito sob essas regras conseguiria desenvolver alicerces emocionais
sadios? Não haveria aí uma disputa para saber quem “trai” mais, quem seduz
melhor? Isso não levaria o casal a uma contenda interna e silenciosa que só
geraria sofrimento no final das contas? E, afinal, ainda poderia haver o risco
contínuo da pessoa amada se debandar por outros caminhos e braços. É claro que
estamos nos referindo a um tempo em que tudo muda com frequência e é difícil
falar em estabilidade. Mas é preciso preservá-la o mais possível. Só assim
torna-se real a casa, a aconchego, o amor, a família. A estabilidade emocional
vem também da monogamia.
Desde os tempos bíblicos se refere à
monogamia feminina. Os homens poderiam casar com várias mulheres, porém deveria
ser garantia da fidelidade da mulher. Isso até tem uma explicação, aliás os
maridos queriam ter a certeza que os filhos que estavam criando eram realmente
deles. Só que para isso houve uma repressão muito forte em relação às mulheres.
Implantaram regras e mais regras a seguir para legitimar a fidelidade.
No velho mundo, no século XVIII,
houve casos de histeria por toda parte. Mulheres que tinham espasmos
musculares, falavam coisas sem sentido entre outros sintomas dos mais bizarros.
Não havia problemas clínicos, no entanto, lá estava a histeria alojada nas
mulheres. Com a psicanálise, se descobriu que tal doença tinha suas origens na
repressão sexual. A repressão era tão exacerbada que as mulheres se negavam
sexualmente e essa sexualidade reprimida acabou por desenvolver essa doença.
Tudo isso por quê? Para controlar a mulher, para fazer dela um animal domável e
fiel. Nessa época a mulher não tinha muita escolha. Era isso ou o oposto: a
prostituição. Acredito que muitas mulheres de espírito livre acabaram por optar
a ser prostitutas, pois poderiam ter uma vida mais rica de experiências e não
precisavam ficar submetidas a serem parideiras, enquanto os maridos faziam o
que bem entendessem.
A impossibilidade do divórcio fazia
com que muitos maridos não fossem muito cuidadosos com as suas esposas, embora
elas estivessem sempre que submeter à tradição. Ser fiel e nunca se dar ao luxo
de pensar em experimentar outra vida.
No entanto, muitas histórias foram
construídas paralelas a essa máscara social. Houveram muitas traições, paixões,
sofrimento, filhos bastardos e mortes. A literatura retrata muitos desses
casos, como no caso da infiel madame Bovary de Flaubert, que teve um fim
agonizante. No entanto, o costume da monogamia atravessou esse rio negro de
convenções e acabou chegando aos dias de hoje.
Hoje, que se tem pílula
anticoncepcional e outros métodos de controle de natalidade, que se pode
decidir quando e de quem engravidar, parece estranho defender a monogamia no
que se refere à exclusividade de se relacionar-se sexualmente com apenas com o
parceiro. Afinal, é possível, em tese, garantir a paternidade dos filhos.
No entanto, as coisas na teoria e
envoltas da razão parecem dar muito certo. Porém, a infidelidade matrimonial
ainda causa filhos fora do casamento, sofrimento e assassinatos passionais,
além de rompimentos desnecessários de pessoas que se amam.
Muitas vezes se utiliza como
argumento para a monogamia a religião e moralidade, embora isso seja
considerado apenas porque ser monogâmico é ser mais honesto. Ser monogâmico é
ter mais amor e consideração, é ter mais respeito pelo outro, mais verdade.
Através da monogamia é que se pode
constituir uma família estruturada, equilibrada. Não que isso seja o único
requisito para se formar uma família com base sólida, mas auxilia muito na
salubridade emocional do casal.
Ser monogâmico não é uma escolha que
se faz por toda a vida, mas uma decisão diária. Aliás, nunca se há decisão
definitiva sobre algo. As coisas mudam muito, o mundo está em constante
revolução. Mas, no meio desse movimento todo, é um bálsamo ter alguma calmaria,
a constância emocional que a monogamia proporciona. É agradável pensar em
família no meio de tanta segregação e superficialidade. As tecnologias não
tiraram do ser humano as suas necessidades mais importantes que é estar
envolvido de pessoas que ele considera e confia e cujo o sentimento é
recíproco. O casamento, a família é uma maneira do indivíduo se rodear de
pessoas queridas. E nesse universo intelectual, em que se prega tanta liberdade,
é a instituição da família, ao sabor burguês que ainda funciona, que ainda
vigora. E para que as coisas caminhem nos trilhos, nada como evidenciar um
pouco de norma nessa liberdade do intelecto, muito bela nos escritos, mas árdua
de ser praticada. Melhor mesmo é ficar com o básico, e colocar a cabeça para
pensar no conforto do sofá.
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